Manifestantes favoráveis ao impeachment celebraram em Brasília na noite deste domingo (17) o resultado da votação na Câmara dos Deputados, que aprovou que o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff siga para o Senado. A votação terminou com 367 votos a favor da continuidade do processo no Senado. Os votos contrários somaram 137, sete se abstiveram e dois deputados se ausentaram.
O grupo estava reunido do lado sul da Esplanada dos Ministérios. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, 53 mil pessoas chegaram a participar dos atos contrários à gestão petista. A organização afirmou haver 200 mil.
Os movimentos acompanharam a votação em telões montados perto de ministérios. Sentado no chão, o grupo vaiava os votos de deputados contrários ao impedimento. Os manifestantes estavam vestidos de verde e amarelo. Alguns usavam nariz de palhaço, estavam enrolados em bandeiras do Brasil e carregavam pequenos bonecos infláveis do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de presidiário, conhecidos como pixulecos.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, o grupo poderá circular de trio elétrico pela Esplanada dos Ministérios depois da dispersão dos manifestantes a favor do governo. Os grupos pró e contra ficaram separados por um alambrado montado no gramado da Esplanada dos Ministérios. A estrutura tem um quilômetro de extensão e 80 metros de largura.
Manifestantes subiram em árvores para acompanhar em um telão os discursos que ocorriam no plenário instantes antes da votação. A cada fala contrária ao seguimento do processo a multidão gritava "fora, Dilma" ou "fora, PT". O carro de som silenciou a transmissão da TV Câmara para gritar palavras de ordem como "hoje ela vai cair, não vai?".
O funcionário público Diego de Oliveira fez uma prece enquanto os deputados votavam. "Estou fazendo reiki para abençoar o Brasil. O país já está viciado nesse governo. Eu sei que a corrupção está impregnada em todos os partidos, mas tenho a expectativa que o impeachment nos ajude a resolver ao menos esse problema. Mas também não acho que o Temer seja a solução."
Os manifestantes favoráveis ao impeachment começaram a chegar à Esplanada por volta de 10h. No meio da tarde, eles projetaram com luz na parede do Ministério das Comunicações as palavras "Fora Dilma" durante a votação. Eles também posaram com uma faixa que ironizava o termo "golpe".
O ambulante Marcelo Wladimir, de 27 anos, precisou diminuir o preço da garrafa de água de R$ 2 para R$ 1 no final da tarde. "O pessoal está aqui desde cedo, quando estava mais quente consegui vender por volta de cem garrafas. Eu sou a favor do impeachment. [O PT é] Um partido que só fez mal à economia do país, não somente pelas pedaladas, mas também pelo que foi feito com a Petrobras."
O funcionário público Eduardo Catete aprovou o esquema de segurança na Esplanada dos Ministérios. "O muro é uma representação do lulopetismo como o Lula queria: ricos contra pobres, petralhas contra coxinhas. Sem o muro haveria pancadaria. Mas é uma necessidade, infelizmente."
Membro do Movimento Brava Gente, o mineiro e técnico em informática Felipe Richard chegou à Esplanada às 10h. Fantasiado de Sérgio Moro, ele disse que o juiz que analisa os processos da Lava Jato em primeira instância é uma inspiração. "Ele é um ídolo para a gente, tanto é que todo mundo está pedindo para tirar foto comigo. Minha bochecha está até doendo."
O servidor público Paulo Guimarães contou ter ido duas vezes ao ato, pela manhã e pela tarde. "Não sinto tanto calor nem a espera. A única coisa que tenho em mente é tirar esse partido do governo. E isso vale qualquer sacrifício."
Policiais militares se posicionaram na frente dos ministérios perto do fim da votação para evitar eventuais casos de vandalismo. Segundo o capitão Flávio Marques, cada ministério estava protegido por uma companhia de 36 a 48 policiais
Pela manhã, policiais militares apreenderam caixas de fogos de artifício na parte de cima de uma árvore no estacionamento do Ministério da Ciência e da Tecnologia (lado a favor do impeachment). Os mais de 20 artefatos estavam em uma sacola cheia de folhas. O item constava na lista de proibições durante o protesto. O dono não foi localizado, e ninguém foi preso.
A corporação também apreendeu nas proximidades uma mochila com uma suposta bomba caseira. O capitão Michello Bueno afirmou que eram feitas varreduras constantemente dos dois lados. Duas pessoas foram detidas na região por furto de objetos de dentro de carros. Nenhuma das duas participava dos protestos.
O efetivo na região contava com 4 mil policiais militares por volta das 20h. As delegacias da área central e do Departamento de Polícia Especializada foram reforçadas. Policiais apreenderam mais de 70 pedaços de pau, barras de metal, garrafas de vidro tesouras e até facas com manifestantes.
Por causa da votação do impeachment, pontos turísticos tiveram as visitas suspensas. O Congresso Nacional segue fechado para o público externo até quinta-feira (21). A Catedral Metropolitana esteve aberta apenas para as missas. O Palácio do Planalto só funcionou neste domingo para atividades administrativas.
A votação também mudou o funcionamento de lojas. A orientação do Sindicato do Comércio Varejista era para que os shoppings da região central da cidade não funcionassem. O transporte público também registrou alterações: o Metrô suspendeu o serviço.
Zonas separadas
Com a divisão da Esplanada por uma barreira metálica, que começava na Rodoviária do Plano Piloto, os manifestantes pró-impeachment ficaram concentrados nas proximidades do Museu Nacional da República. Do mesmo lado ficam a Catedral Metropolitana, o Ministério da Saúde e o Palácio do Itamaraty. Os grupos contrários ao impeachment tinham como área reservada os arredores do Teatro Nacional Cláudio Santoro, podendo circular perto dos ministérios da Defesa e do Planejamento, além do Palácio da Justiça.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, cerca de 26 mil pessoas chegaram a participar dos atos a favor da gestão petista. A organização afirmou haver 150 mil. Os manifestantes usavam roupas vermelhas e portavam faixas com os dizeres "não vai ter golpe".
Eles começaram a se dispersar e voltar para o acampamento no ginásio Nilson Nelson, a cerca de cinco quilômetros, por volta das 20h, quando havia 185 votos a favor e 50 contrários ao prosseguimento do processo.
A funcionária pública Elza Lemos, de 53 anos, e o estudante Camilo Pimentel, de 25, andaram nos dois lados da Esplanada durante os protestos deste domingo. "Do lado pró-impeachment tem uma homogeneidade, pessoas mais parecidas entre si. Do outro lado [contra o impeachment] vi índios e outras classes sociais", afirma Elza.
O estudante paulista de gestão de políticas públicas Otávio Caiuby disse que fez questão de estar em Brasília para pressionar deputados indecisos. Ele passou mais de 14 horas viajando de ônibus junto com colegas de faculdade. "Meus pais são contra o governo Dilma, mas entenderam que eu tinha de vir e respeitaram."
O marroquino Abderrahman Belhaddad, de 47 anos, mora no Brasil há 17 anos e disse considerar o impeachment uma tentativa de tomada do poder. "Sou da esquerda marroquina. Além disso verifiquei que pessoas corruptas julgam a presidente, que não cometeu corrupção", diz. Ele é escritor e trabalha como tradutor.
Kamuudan Wapichana diz temer que o governo Dilma seja deposto e o diálogo com a comunidade indígena acabe. "Estamos lutando pra ser reconhecidos com esse governo, e quem trava é o PMDB. Os que saíram do governo são os ruralistas, do agronegócio. Com esse governo não conseguimos andar, com o outro vai ser muito pior, não tem nem esperança. Os povos indígenas estão com muito medo."
Da etnia Terê, os indígenas Marcos Arguelho, Éder Jorge e Genivaldo Campos vieram da aldeia Córrego do Meio, em Sidrolândia (MS), protestar contra o impeachment na Esplanada dos Ministérios. "Isso é um golpe político, e foi o governo do PT quem trouxe programas sociais para a comunidade indígena", diz Campos.
O vendedor de bijuterias Joaquim Carlos, de 55 anos, conta que costuma ir às manifestações para vender peças de pedras e capim dourado. Dessa vez, escolheu ficar no lado pró-governo. "Prefiro esse lado porque aqui tem gente humilde, trabalhadora. Para lá é tudo burguês, empresário", diz. Joaquim é petista e entoou o grito "não vai ter golpe" junto com os compradores.
A Federação Nacional dos Policiais Federais informou em nota que estrangeiros flagrados participando de manifestações políticas poderiam ser presos por até três anos e expulsos do país. A pena atende às determinações do Estatuto do Estrangeiro, por ver a atitude como atentado à ordem política ou social e à tranqüilidade pública.
*Colaboraram Fernando Caixeta, Gabriel Luiz, Jamile Racanicci e Bárbara Nascimento